Lembro-me de cenas antigas relacionadas a comida que instintivamente me fazem recordar de bons
momentos de afeto[1]. O
cardápio não é tão requintado, mas as lembranças a que me remete são!
Macarronada, frango e maionese aos domingos na casa dos avós maternos. Almoço de domingo era dia de correr com os primos na rua, de querer jogar bola com os meninos maiores e não poder (“Vocês são carta branca”, diziam os grandões da rua), era dia de tomar chá mate e comer pão, à tarde, com mais umas 30 pessoas da família.
Macarronada, frango e maionese aos domingos na casa dos avós maternos. Almoço de domingo era dia de correr com os primos na rua, de querer jogar bola com os meninos maiores e não poder (“Vocês são carta branca”, diziam os grandões da rua), era dia de tomar chá mate e comer pão, à tarde, com mais umas 30 pessoas da família.
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Maionese na casa dos avós maternos! Comida para um batalhão! |
Na casa dos avós paternos era um quitute melhor que o outro! Meu avô fazia pipoca (dessas que se estoura na panela). Ele chamava todas as netas e dizia que se não cantássemos, a pipoca não iria arrebentar. O enredo era sempre o mesmo, uma música de um comercial de guaraná (quem aí conhece?),
“pipoca na panela, começa a arrebentar, pipoca com sal que sede que dá...”
Era infalível,
era mágico! Todos os milhos estouravam! Sem a música, sem meu avó e sem suas
netas essa pipoca não teria o mesmo sabor. Percebem? Isso é comida e afeto.
Comer guarda algo
fantástico em si, mas cozinhar, ah! Cozinhar é um grande ato de afeto!
Por meio da comida oferecemos energia, amor, desejos, expressamos prazer e
desprazer. Alguém já foi em um restaurante no qual a comida tinha gosto da casa
da vó, ou da mãe, do pai, tio, ou alguém que lhe marcou bem no estômago (rsrs)?
Cozinhar é um ato de puro amor! Quem oferece comida, oferta (se desejar) sua essência. Em um dos meus aniversários resolvi que tudo o que foi servido seria produzido por mim com a ajuda de familiares. E assim fizemos! Do bolo, aos biscoitos, antepasto de berinjela e bombons. Mas porquê isso? Naquele momento, eu queria me reconectar com o afeto e minha forma de expressão foi essa – a comida.
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Doces do aniversário: bolo indiano com frutas e bombons (Arquivo pessoal) |
O filme mexicano
“Como água para Chocolate” (1992), baseado na obra de Laura Esquivel, retrata
exatamente a relação entre comida e afeto. Sua teia gira entorno de Tita (uma
jovem cozinheira), de Pedro (apaixonado por Tita) e do amor
impossível que lhes circunda.
Em cada cena
Tita evoca nos alimentos aquilo que ela sente. Em um trecho do filme ela se vê
obrigada a cozinhar para o casamento de Pedro, com outra mulher, e ao preparar
o bolo da festa Tita chora muito, resultado? Bolo bonito, bolo gostoso, e
convidados chorando. Como disse, onde há comida, há afeto (podendo ser ele bom ou ruim) e a película expõe
(talvez de forma aumentada) o poder do alimento e da relação
estreita entre ele e as formas de afeição.
O filme é um clássico, com uma fotografia linda e cenas bem picantes (não sei informar a classificação), mas vale assistir!
O filme é um clássico, com uma fotografia linda e cenas bem picantes (não sei informar a classificação), mas vale assistir!
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Cena do Filme "Como Água para Chocolate", momento no qual Tita está preparando: Codornas com pétalas de rosa! (Fonte: google imagens) |
No consultório
ouço pessoas reclamando que não recebem carinho de familiares, mas ao olhar com
cuidado acabam descobrindo que o fato de não receberem o carinho do modo como
esperam não atesta a inexistência do amor, nem a falta da expressão do afeto. Muitas
vezes a afeição foge do tradicional “beijo" e "eu te amo”.
Afeto também
está presente em gestos como, “comprei esse doce para
você”, “o que você quer comer hoje?”, uma fala de incentivo, ou ao fazer
uma brincadeira para o outro sorrir e até mesmo nos momentos de silêncio. São
infinitas as formas de cuidado e atenção.
Bem, e o que
esse texto tem a ver com Buenos Aires? Eu o escrevi durante a viagem para lá,
um momento de encontro comigo mesma de reconectar-me a minha essência! Até pude cozinhar para mim (depois explico isso melhor)!
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Resolvi prepara uma massa com camarão e brócolis! Como dizem os Argentinos 'Mui rico'! (Arquivo pessoal) |
E a cidade? Ela
é linda, arborizada, cheia de teatros, e de gente conversando “apaixonadamente”
(gesticulando e falando alto). Há um café em cada esquina, e é um hábito entre os portenhos frequentar esses lugares para conversar, comer, ler jornais. O Café
Tortoni (fundado em 1858) foi onde tomei um dos melhores café com leite e fui muito bem atendida, vale a visita!
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Esse é o Café Tortoni, localizado na Av. de Mayo, em Buenos Aires (Arquivo pessoal) |
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Eis meu singelo café da manhã no Tortoni! Delícia! (Arquivo pessoal) |
Por fim, sugiro repensarmos os padrões sociais de expressão do afeto (isso não quer dizer aceitar abusos!) e nos perguntarmos como temos recebido, mas principalmente, como temos ofertado?
Beijos no
coração e até o próximo post!